A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) aponta, em relatório preliminar, que o governo federal não poderia operar o programa Pé-de-Meia sem autorização do Congresso, conforme revelou reportagem do UOL.
Os técnicos — que embasam a decisão dos ministros da corte de contas — também sugerem que o TCU peça explicações ao Ministério da Educação, à CEF (Caixa Econômica Federal) e às secretarias do Tesouro Nacional e do Orçamento Federal para decidir se interrompe ou não os pagamentos aos estudantes do ensino médio.
O tribunal recebeu quatro pedidos de investigação com base na reportagem do UOL que revelou a manobra fiscal.
A reportagem mostrou que o MEC (Ministério da Educação) pagou neste ano R$ 3 bilhões aos beneficiários do Pé-de-Meia fora do Orçamento da União — a medida contraria as leis do Pé-de-Meia, de Responsabilidade Fiscal e a Constituição.
A área técnica do TCU analisou as informações reveladas pelo UOL e recomendou ao ministro Augusto Nardes que instaure investigação “pela necessidade de completo esclarecimento, dada a sua relevância e possibilidade de reincidência”.
Os técnicos afirmam que o ministro poderia “adotar medida cautelar, determinando a suspensão” dos pagamentos de forma a “preservar o interesse público”, como pediu o Ministério Público junto ao TCU.
No entanto, eles sugerem aguardar uma explicação prévia para o que chamaram de “arranjo heterodoxo”.
O MEC afirma que o Congresso aprovou, no orçamento de 2023, repasse de R$ 6,1 bilhões para o fundo privado onde está aplicado o dinheiro do Pé-de-Meia. No entanto, não solicitou autorização, em 2024, para sacar os recursos desse fundo e repassar aos estudantes (leia mais baixo).
‘Orçamento paralelo’
Com orçamento de R$ 20 bilhões, o Pé-de-Meia é o principal programa do governo Lula (PT) para educação e tem o objetivo de evitar a evasão escolar.
Alunos de baixa renda recebem uma mesada em troca de cursarem o segundo grau. Ao longo de três anos, são R$ 9.200 por estudante.
Como revelou o UOL, o governo pediu autorização do Legislativo apenas para depositar os recursos do programa em um fundo privado na Caixa (o Fipem), mas não solicitou o aval para sacar os valores que pretendia gastar neste ano.
Para a área técnica do TCU, isso indica que o MEC fez um “orçamento paralelo”.
Na prática, é como um casal ter dinheiro na poupança, e um deles gastar todo o montante sem avisar o outro.
“O custeio dessas despesas exige autorização do Parlamento”, constatou o TCU.
“Nesse rumo, ainda que a Lei 14.818/2024 [do Pé-de-Meia] tenha autorizado a União a criar e fazer aportes ao Fipem [fundo privado onde estão depositados os recursos do programa], preliminarmente, entende-se que a despesa relativa ao auxílio aos alunos deve ser consignada nos orçamentos anuais e executada via Orçamento da União em obediência aos princípios da anualidade orçamentária, da unidade de caixa e da transparência. Do contrário, ter-se-á orçamento paralelo àquele anualmente aprovado pelo parlamento”, complementou.
“O Pé-de-Meia é uma política pública que possui um arranjo heterodoxo por utilizar recursos públicos de forma extraorçamentária para executar política pública, por meio de um fundo privado”, Área técnica do TCU, em relatório sobre o Pé-de-Meia.
Os técnicos do TCU também questionam a opção de colocar os recursos no fundo privado.
Eles compararam o Pé-de-Meia com outras políticas públicas, como o Bolsa Família, “que cursam normalmente pelo Orçamento Geral da União, sem se valer de fundos privados”.
A criação do fundo privado foi aprovada pelo Congresso. O deputado Pedro Uczai (PT-SC), então relator do projeto na Câmara, incluiu o fundo no Pé-de-Meia.
A ideia partiu, contudo, do governo Lula. Antes do projeto, o governo editou uma Medida Provisória criando o programa já com a previsão de depositar o dinheiro em um fundo.
Na visão preliminar do TCU, “o arranjo administrativo adotado pelo Poder Executivo pode trazer consequências indesejáveis às finanças públicas e dificultar o controle dos órgãos públicos e da sociedade, tendo em vista a falta de transparência e o prejuízo à rastreabilidade dos recursos executados de forma extraorçamentária”.
O que diz o governo
O MEC afirma que o Congresso aprovou no orçamento de 2023 o repasse de R$ 6,1 bilhões para o Fipem.
Ocorre que a legislação prevê a inclusão no orçamento das duas ações:
1) quanto o governo vai transferir para o fundo privado (Fipem), operação chamada de integralização de cotas.
2) os valores que serão sacados do fundo para o pagamento dos beneficiários.
O MEC pediu autorização do Congresso apenas para a primeira ação, ainda em 2023, mas não pediu autorização em 2024 para sacar recursos e pagar os alunos.
Sobre a falta de transparência nos dados, o MEC não comenta.
Em resposta a pedido de informações feito pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, o ministério citou a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) para negar.
“Em respeito à Lei nº 13.709 (LGPD), especialmente com base nos princípios de necessidade e de segurança, não é possível compartilhar dados pessoais dos beneficiários.
O artigo 16 da lei que criou o Pé-de-Meia diz, contudo, que: “a relação dos estudantes contemplados com o incentivo financeiro-educacional de que trata esta Lei será de acesso público, divulgada em meio eletrônico e em outros meios.”
A Caixa afirma que apenas administra o Fipem e que toda movimentação é de responsabilidade do MEC, que envia “a relação de estudantes para efeitos de crédito dos incentivos financeiros-educacionais”.
Andreza Matais – UOL
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